A Salvar – Associação Brasileira de Apoio ao Cultivo e Pesquisa da Cannabis Medicinal, em parceria com a Universidade Federal de Sergipe (UFS), estava prestes a avançar com estudos sobre a planta e suas propriedades medicinais. O projeto abrangia diversas áreas, como agronomia, farmácia, química, biologia e medicina, visando garantir a máxima qualidade técnica do material produzido, otimizar tratamentos e promover o bem-estar dos pacientes.
No entanto, esses estudos foram brutalmente interrompidos por uma ação policial injusta, movida por um ex-colaborador responsável pelo jurídico da Associação contra os membros da diretoria, funcionários da Salvar, dedicados à missão de oferecer alívio e dignidade aqueles que dependem da Cannabis medicinal além de todos os pacientes associados e com documentação hábil. Há cinco meses, a Associação foi forçada a interromper temporariamente suas atividades de produção de produtos, deixando milhares de pacientes e famílias apreensivos diante da iminente falta de acesso ao tratamento e produtos que salvam vidas.
Essa paralisação não afeta apenas os pacientes, mas também interrompe pesquisas que poderiam transformar o uso da Cannabis medicinal no Brasil. Um golpe injusto que bloqueia o progresso científico e ameaça o direito à saúde.
O pesquisador da Universidade Federal de Sergipe (UFS), com doutorado em Produtos Naturais, professor Lucindo Quintans, lamentou o impedimento. Ele ressaltou a importância de cumprir integralmente as determinações da Justiça, mas enfatizou que qualquer atraso em estudos científicos pode desencadear uma série de prejuízos técnicos e, frequentemente, financeiros.
“Por exemplo, equipes previamente preparadas e disponíveis para o desenvolvimento de etapas da pesquisa acabam sendo desmobilizadas e alocadas em outros projetos, o que exige a formação de novas equipes. Vale destacar que estamos lidando com profissionais altamente qualificados, muitos deles com mestrado ou doutorado. Outro exemplo é que a calibração dos equipamentos, que são sensíveis e de elevado custo, é um processo que leva tempo e a descontinuidade pode prejudicar o andamento; a aquisição de insumos, muitas vezes importados, leva tempo e os materiais possuem validade, o que pode gerar outros prejuízos”, falou.
Na opinião do pesquisador, “os maiores prejuízos recaem sobre os pacientes, que poderiam ter acesso a um acompanhamento mais qualificado e contar com a conclusão de estudos sobre desfechos clínicos realizados por profissionais altamente especializados. Isso impacta diretamente o desenvolvimento científico, limitando a geração de emprego, renda e o avanço de novas tecnologias que poderiam ser aplicadas no atendimento aos pacientes do SUS”.
Os pesquisadores da UFS se concentrariam em estudos fitoquímicos avaliando a matéria-prima vegetal, a padronização de amostras/lotes que seriam liberados aos pacientes, estudos agronômicos buscando melhorar manejo e padronização das plantas, estudos clínicos acompanhando pacientes que são atualmente tratados com amostras da Salvar, estudos pré-clínicos e estudos com desenvolvimento de formulações farmacêuticas, por exemplo, envolvendo nanotecnologia ou outras formas buscando otimizar a eficácia dos óleos.
“Todos os estudos vão em uma só direção: dar garantia de segurança clínica aos pacientes, o desenvolvimento tecnológico, a formação de recursos humanos e no melhor conhecimento do uso medicinal da Cannabis e de seus produtos”, destacou o pesquisador.
As perdas são de iguais tamanhos para a ciência e para os pacientes. Foram realizadas algumas reuniões entre a Salvar e pesquisadores da Universidade e foi apresentado o trabalho da Associação com o interesse em estabelecer uma parceria técnico-científica, respeitando o que preconiza a Lei Nº 9.178, de 10de abril de 2023, que instituiu a “Política Estadual de Cannabis spp.” para fins terapêuticos, medicinais, veterinários e científicos, com foco no amparo a pacientes e associações congêneres, e incentivo à pesquisa e à capacitação dos profissionais da Rede Estadual de Saúde, no âmbito do Estado de Sergipe.
“Nosso objetivo era obter suporte para realizar os testes de controle de qualidade exigidos pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e, em contrapartida, contribuir com a pesquisa oferecendo nossos produtos e plantas, desde a semente até o produto-final. Em julho de 2022, alguns pesquisadores manifestaram interesse em um convênio que atendesse às necessidades de ambas as partes”, contou o presidente da Salvar, Paulo Reis.
Em março de 2023, foi conquistada a autorização federal. Desta forma, a Associação enviou uma carta de interesse em pesquisa à reitoria da UFS que foi analisada e aprovada, resultando na formalização do convênio em 11 de maio de 2023.
Em janeiro de 2024, foram enviados dois lotes de produtos para análise e pesquisa. No entanto, devido a dificuldades financeiras, a UFS ainda não recebeu recursos, tanto federais quanto estaduais, para adquirir os padrões analíticos necessários para iniciar os testes e pesquisas, o que foi seguido pela proibição da Justiça.
“Essa parceria é crucial para melhorar a qualidade dos produtos oferecidos aos nossos associados. Além disso, beneficia os alunos da Universidade, que terão a oportunidade de desenvolver novos produtos através de inovações em métodos de extração e vias de administração. Pesquisadores de diversas áreas, como agronomia, farmácia, química, medicina, odontologia, direito, entre outras, também serão impactados positivamente, pois poderão explorar e ampliar o conhecimento em torno da Cannabis. Por fim, a sociedade como um todo se beneficia ao formar profissionais livres de preconceitos em relação ao uso de produtos à base de Cannabis. Isso também representa um avanço significativo para o Sistema Único de Saúde (SUS), pois os pacientes terão acesso a produtos locais de qualidade, com custos mais acessíveis para os cofres públicos”, detalhou Paulo Reis lembrando o fornecimento de produtos que o Governo do Estado de Sergipe tem mantido a paciente com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e epilepsia refratária.
A Salvar ainda mantem uma parceria com a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace) para ajuda técnica com especializada. Além disso, em 2023 foram realizadas reuniões com pesquisadores da Universidade Tiradentes (UNIT), através do Instituto de Tecnologia e Pesquisa (ITP), que não tiveram andamento por causa da interrupção na colheita.